Rolling Stones se despede de São Paulo com mais uma noite memorável

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Foto: Miguel Schincariol
A linha de frente dos Stones com Wood, Jagger e Richards
Por Ricardo Alfredo Flávio

Antes de falar sobre o que foi esse show de sábado, um breve relato de minha história com os Rolling Stones. Em 1995, eu era um vendedor de bugigangas, apaixonado por rock and roll e que sempre achou “os Beatles os maiores do mundo”. Eis que numa segunda-feira chuvosa, resolvi matar o serviço e me aventurar pelo gramado do Estádio do Pacaembu, na primeira visita dos Rolling Stones ao Brasil, parte da “Voodoo Lounge Tour”. Sem medo de errar, aquilo que presenciei mudou a minha vida para sempre. Os efeitos pirotécnicos, os balões gigantes, as luzes, e, principalmente, a energia dos na época cinquentões, me fizeram rever todos os meus antigos conceitos. Dali em diante, ficou definido que nada poderia ser maior que os The Rolling Stones!

Passados três anos, e não é que meus amigos (sim, desde então os trato assim), voltaram a São Paulo? E ainda trouxeram o velho Bob Dylan na “Bridges to Babylon Tour” - que mesmo não tão grandiosa quanto a anterior, era impossível não vibrar com a ponte móvel que levava toda a banda para um set acústico no centro do gramado, além do show pirotécnico que já era rotina. Sem contar com a maior emoção musical de minha vida, que foi ver juntos no mesmo palco, Mick Jagger, Keith Richards, Ronnie Wood, Charlie Watts e Mr. Bob Dylan entoando o hino “Like a Rolling Stone”! Simplesmente indescritível a sensação de presenciar isso de perto.

Eles ainda voltaram ao Brasil em 2006, quando fizeram o mítico show gratuito para um milhão de pessoas na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, mas este, só pela televisão. Passados 10 anos da última visita, quando muitos já achavam que nunca mais os veriam, eis que os hoje setentões voltam ao Brasil e, com a mesmíssima energia de 21 anos atrás!

O Show
Foto: Miguel Schincariol
Mick Jagger ainda impressiona por sua forma física
Anote aí no seu caderninho de feitos históricos: São Paulo, dia 27 de fevereiro de 2016, Estádio Cícero Pompeu de Toledo – Morumbi, 21:00. Contando com uma pontualidade britânica, apagam-se as luzes do gigante de concreto e uma bandeira brasileira aparece nos telões, dando início ao vídeo promocional da turnê latino-americana. Contrariando a expectativa - pelo que se acompanhou nos últimos shows -, a banda começa arrebentando tudo, com Keith Richards sendo o primeiro a aparecer, entoando o riff monstruoso de “Jumpin’ Jack Flash”. Sequência com “It’s Only Rock’n’Roll (But I Like it)”, para só então Sir Mick Jagger fazer as honras e gastar seu português com um “Olá São Paulo! Olá paulistas! E aí galera?”, “Tumbling Dice” é a música da vez, e Mick Jagger empolgado solta um “hoje é sábado, vamos quebrar tudo”.

Na plateia se misturam várias gerações, famílias completas, com pais chorando, filhos felizes de estar ali e netos muito bem encaminhados, turmas de jovens meninas ao meu lado, que não conheciam as músicas dos Titãs, mas dos Stones cantavam cada palavra junto com Mick Jagger.

Entre uma música e outra, Mick passeia pelo palco, anda na passarela que chega até o meio da pista, e vai soltando brincadeiras em português: “Quem aqui torce para o São Paulo? E para o Corinthians? Palmeiras? Santos? Esta é a primeira vez que temos os quatro times juntos aqui no Morumbi”, e “All Down the Line”, faixa do clássico Exile on Main Street, de 1972, é tocada.

Antes do início do show de abertura, os telões mostravam uma seleção de músicas (“She’s a Rainbow”, “Anybody Seen My Baby”, “Let it Bleed” e “Dead Flowers") para que os fãs escolhessem via Twitter qual deveria entrar no show. A escolhida foi a balada “She’s a Rainbow”, do psicodélico álbum de 1967, Their Satanic Majesties Request. “Não, essa não lembramos como se toca”, brincou Jagger. Na sequência, mais clássicos. A balada “Wild Horses” e as fantástica “Paint in Black” e “Honk Tonk Women” - com direito a pedido de desculpas ao público ("Estou muito devagar hoje. É que comi muitas coxinhas”), disse o gaiato frontmen, que em seguida apresentou a banda toda. O destaque óbvio para “Ronnie Wood, o Rogério Ceni do rock”, um jovem senhor de 68 anos, que tem um carisma, energia e qualidade sensacionais, “a rainha da bossa nova, Charlie Watts”, o sempre tímido e educado baterista e finalizando com “este é Keith Richards, guitarrista e agora vocalista”, ovacionado pela plateia, que não cansa de gritar “olê olê olê, Richards, Richards”, e ele canta “Sleeping Away”, do disco Steel Wheels, de 1989 e “Before They Make Me Run”, do Some Girls, de 1978. Particularmente, adoro as baladas cantadas pelo pai do Jack Sparrow!

Pausa de Jagger terminada e ele volta arrebentando com “Midnight Rambler”. Se com 72 anos ele se desculpa e acha que está devagar com toda aquela exibição no palco, este que vos escreve morre de vergonha com 43. “Miss You” é a próxima e aos primeiros acordes de “Gimme Shelter”, a chuva cai sobre o Morumbi, refrescante e bem vinda. Chuva que não atrapalha em nada o desempenho da vocalista Sasha Allen, que dança e canta sensualmente com Mick Jagger na passarela.
Foto: Miguel Schincariol
Keith Richards em momento íntimo com a guitarra
A música que normalmente estava abrindo os shows da turnê é a próxima, “Start Me Up” é cantada em uníssono, e faz Mick Jagger finalizar em bom português: “bom para caralho”! Tudo apagado e começam as batidas quentes de “Sympathy For the Devil”, emendada com a não menos quente “Brown Sugar”.

Breve intervalo e a volta vem com o “Sampa Coral”, entoando a belíssima “You Can’t Always Get What You Want”. Interessante que a banda vem utilizando corais locais para a apresentação desta canção em todos os shows, e todos os envolvidos são unânimes em dizer o quanto são bem recebidos e respeitados por Jagger & Cia. Seguindo o script, todos já esperam o encerramento, e ele vem com a mais clássica de todas, “(I Can’t Get No) Satisfaction” e a popular queima de fogos.

Diferente dos shows anteriores no Brasil, este tem foco apenas na música, mesmo com o lindo palco, luzes e fogos, aqui o “espetáculo visual” é menor, mas não menos grandioso. E o que importa realmente, é a música maravilhosa que estes senhores fazem.

Com exceção de Ronnie Wood, que já está bem perto disso, todos os Stones já ultrapassaram os 70 anos. É difícil acreditar que eles ainda voltem ao Brasil, mas, se isso acontecer, e você que está lendo isso ainda não os viu de perto, não perca a chance novamente, faça um empréstimo, venda um rim, mas vá! Você estará diante do maior espetáculo da Terra!

Set ListJumpin’ Jack Flash / It’s Only Rock’n’Roll (But I Like It) / Tumbling Dice / Out of Control / All Down the Line / She’s a Rainbow / Wild Horses / Paint it Black / Honk Tonk Women / Slipping Away / Before They Make Me Run / Midnight Rambler / Miss You / Gimme Shelter / Start Me Up / Sympathy For the Devil / Brown Sugar / You Can’t Always Get What You Want / (I Can’t Get No) Satisfaction.

Foto: Miguel Schincariol
Titãs esquentaram o público com vários sucessos
Em ótima apresentação, Titãs cumpre papel e aquece público

Os Titãs mostraram a que vieram, sem mi-mi-mi, sem treta por conta de política. Apenas uma banda de rock no palco, das melhores surgidas nessa terra. Com mais de 30 anos de estrada, cientes de sua posição de banda de abertura (honrosa, diga-se), não inventaram, foram direto ao que interessa, com um set curto e certeiro, composto exclusivamente por hits que já embalam pelo menos duas gerações. Branco Mello, Paulo Miklos, Sérgio Britto, Tony Belotto e o baterista Mário Fabre abriram o show com a pancada “Lugar Nenhum”. Sem muita conversa, emendaram sucessos dos primeiros álbuns, um atrás do outro, “AA-UU”, “Diversão”, “Flores”, “Sonífera Ilha”, “Comida”. Contagiaram todo o público, que mesmo estando ali para ver os Rolling Stones, mostrou respeito e admiração pelos heróis paulistanos no palco, cantando junto e aplaudindo efusivamente tudo o que a banda mandava. Depois das empolgantes batidas tribais de “Cabeça Dinossauro”, Branco Mello convida o público a cantar com ele, e “Marvin” cumpre seu papel. Sérgio Britto é o que mais manda recados à plateia, e com ele a frente, “Desordem”, “Homem Primata” e “Polícia” arrasam quarteirão. O final se aproxima, e Paulo Miklos faz tudo explodir ao dizer que a próxima música era para estar no primeiro álbum, mas foi barrada pela censura e a gravaram apenas no terceiro disco, em 1986, e assim chama os “Bichos Escrotos”. A festa deles se encerra com uma homenagem a Raul Seixas, que segundo Sérgio Britto, sem ele os Titãs jamais existiriam. E assim foram os Titãs, honestos, competentes e grandiosos.
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