WOLF ALICE
My Love Is Cool
RCA; 2015
Por Lucas Scaliza
Em 2014, a Inglaterra nos deu o primeiro disco do Royal Blood, uma obra bastante vigorosa e com pegada de sobra. Uma das melhores bandas novas daquele ano, sem dúvida. E assim como a dupla de baixo e bateria, a terra da Rainha agora nos entrega o quarteto Wolf Alice, mais uma promessa de música boa que se apodera de várias tendências e recicla algumas ideias dos anos 90. E assim como o Royal Blood, o Wolf Alice foi ganhando reputação aos poucos, lançou dois EPs bem legais e fez ótimos shows em pubs, em estúdios online e até uma excelente participação no megafestival Glastonbury em 2014. E até já excursionaram pelos Estados Unidos.
O grupo vem da zona Norte de Londres e foi formado em 2010 pela vocalista Ellie Roswell e pelo guitarrista Joff Odie, que tocavam juntos como um duo folk. Dois anos depois, chegaram o baterista Joel Amey e o baixista Theo Ellis. A cantora, cheia de atitude, também toca uma Fender Telecaster preta. O nome do grupo veio de um conto de Angela Carter presente no livro de contos fantásticos The Bloody Chamber, publicado em 1979. É uma coleção de histórias sobre seres sobrenaturais sobre o gato de botas, a criança da neve, a tal câmara sangrenta do título e, claro, lobisomens. Wolf Alice, o nome do último conto, é uma variação mais sombria do conto-de-fadas Chapeuzinho Vermelho, misturando também alguns elementos de Alice Através do Espelho e o que Ela Encontrou Por Lá, de Lewis Carroll.
Mas não tema: não é uma banda dedicada a histórias fantasiosas. O grupo é totalmente integrado à geração Y e seus temas – assim como seu som – refletem essa juventude. Os quatro são fãs da série Os Simpsons; Ellis queria ser jogador de rugby; Joff queria ser ator; e Joel toca em bandas desde os 13. Ah, e antes de se lançarem na música totalmente, assinando um contrato com a Dirty Hit Records, cada um tinha seu emprego. A realidade de quase toda banda que não tem dinheiro saindo pelo ladrão para perseguir o sonho musical.
É com muito mérito que o Wolf Alice chega ao lançamento de My Love Is Cool, o primeiro disco completo. Além de uma ótima banda ao vivo, os dois primeiros EPs mostram que são muito bons ao percorrer diferentes estilos. Aliás, My Love Is Cool tem tanto canções novas quanto muitas outras que já tinham sido apresentadas ao vivo ou mesmo ganharam vídeos.
Temos assim a guitarreira da excelente “Moaning Lisa Smile”, o punk pop de “You’re a Germ”, o shoegaze de “Giant Peach”, o rock fofo de “Lisbon” (mas que termina bastante barulhento), o grunge de “Fluffy” e a ótima “The Wonderwhy”, com uma melodia vocal caprichada e u inesperado flerte eletrônico no final. É bom que se deixe claro que tudo é muito orgânico com o Wolf Alice, você realmente sente que é um trabalho de quatro instrumentistas fazendo uma música que não é pretensiosa, mas que preza por ser boa e não banal.
O disco é bem servido de faixas menos explosivas, como a climática e lenta “Turn to Dust”, em que Roswell dá uma mostra da qualidade de seu vocal mais suave (porque sua gritaria e versão mais selvagem já estão aprovadas há muito tempo). “Bros” se beneficia bastante dos efeitos aplicados aos instrumentos para ganhar uma roupagem mais modernosa, como se fosse um shoegaze pop. “Your Loves Whore” dá ênfase na instrumentação para criar seu clima e coloca umas pausas entre um verso e outro para dar uma sensação de estranhamento. Também é uma das melhores faixas de My Love Is Cool. E o que “Silk” e “Soapy Water” têm de pop alternativo, “Freazy” tem de mainstream e acessível. “Swallowtail”, cantada pelo guitarrista, começa como um folk bem melancólico e termina com uma enorme onda de reverb da guitarra e bateria acelerada.
Não há nada errado com as músicas de My Love Is Cool. A banda está em forma, Roswell canta muito bem e nenhuma música é dispensável. Mas ouvir o álbum da primeira à última faixa parece que não dá conta do poder de fogo e overdrive que esses londrinos têm. Se “Fluffy” e “The Woderwhy” fecham magistralmente esse début, o início dele parece um pouco anticlimático. “Turn to Dust”, a primeira faixa, é linda e mostra um lado nada agressivo do Wolf Alice. E “Bros”, a segunda, não é exatamente uma demonstração do vigor roqueiro que o público já conhece de seus clipes, EPs e apresentações (que estão no YouTube, por exemplo). Existe uma “ciência oculta” que organiza a posição das faixas em um álbum para que ele soe fluido e equilibre dinâmicas mais elevadas e mais contidas ao longo de seu tempo de duração. Faltou essa percepção e esse feeling no acabamento de My Love Is Cool, que já poderia cair matando logo com a tesuda “Moaning Lisa Smile” e deixado “Turn to Dust” para um momento mais propício para a divagação sonora do ouvinte.
Apesar de nova e jovem, o Wolf Alice tem todo o jeitinho de banda inglesa que pode começar a excursionar pelo mundo em breve e participar de festivais indie. Há um pouco de Bethany Consentino, do Best Coast, no jeito de Ellie Roswell cantar e mandar ver no palco. Mas há um lado mais visceral da banda que se aproxima muito da australiana Courtney Barnett, que também lançou seu primeiro disco completo este ano. Barnett tem mais experiência e conseguiu fazer um disco que soa mais consistente, mas em termos de diversão, Wolf Alice e Barnett estão pau a pau.
Ao fim de My Love Is Cool você fica querendo mais e pode encontrar boas canções, como “Blush”, “She” e “Storms”, em seus EPs e vídeos disponíveis. Mas fica a certeza também de que o grupo vai chegar ao segundo álbum ainda melhores e mais confiantes. Se depender do ao vivo, já é uma das melhores estreias de 2015.
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