MUSE
Drones
Warner Bros; 2015
Por Lucas Scaliza
Drones, a nova empreitada do trio inglês Muse, tem como tema as guerras modernas, os drones e a ética que este tipo de combate envolve. São questões que já vem sendo debatidas há algum tempo e até geraram ótimos livros teóricos, sociológicos e filosóficos como Teoria do Drone, do filósofo francês Grégoire Chemayou. Black Holes and Revelations (2006), o melhor disco da banda até agora, já estava carregado de mensagens que perpassavam o estado caótico da sociedade e dos indivíduos. The Resistance era sobre os efeitos nocivos da globalização desenfreada aceita passivamente como “modernidade”; e The 2nd Law lidava com todas essas questões e, de lambuja, trazia algumas reflexões sobre o colapso de recursos naturais. Todos eles com inclinações para teorias da conspiração e paranoia.
Sendo assim, a análise de Drones deve começar por sua capa: em uma tela, há sombras marchando como soldados. Todos idênticos, repetindo um movimento padronizado. Do lado de cá, um sujeito descabeçado controla um joystick. Mas esse sujeito é controlado por uma mão ainda maior. Seria o governo? Seria o Sistema? Seria o “The Globalist” de que fala uma das faixas? Seria alguma(s) força(s) oculta(s) por trás de toda a indústria da guerra? Embora a ética do combate teleguiado seja um dos temas, substituir a cabeça do soldado que controla o drone por mais um joystick indica que a banda não está pensando no assunto apenas superficialmente e vê as ligações necessárias que se deve fazer entre as estruturas do poder para vasculhar o assunto. A questão não envolve apenas as máquinas (drone), mas também todo o controle mental que acaba transformando os indivíduos em seres também programados ideologicamente e alienados.
A primeira faixa, “Dead Inside”, é a típica canção-Muse: eletro-rock levada pelo baixo, bateria bem marcada e um teclado para completar. É só após a metade que a faixa ganha força e mais pegada. É o início da história e apresenta nosso personagem e a lavagem cerebral a que é submetido. A letra é clara em sua mensagem: “Você me ensinou a mentir, sem deixa vestígios/ E a matar sem remorso/ Por fora sou uma ótima pessoa/ Agora, estou morto por dentro”, Matt canta. “Psycho” é um eletro blues com riffs poderosos que poderia muito bem figurar em algum ponto da carreira de Marilyn Manson. Acompanhada por vozes de atores que fingem ser um sargento e um soldado dos tipos encontrados em "Nascido para Matar", testemunhamos a quebra mental do soldado para se tornar o assassino psicótico e frio que as forças armadas precisam para poder “matar por um controle remoto”. “Mercy” é a primeira balada de Drones e apresenta a teoria da conspiração, com “homens encapuzados”, “fantasmas e sombras” que controlam tudo por trás dos panos ou dos poderes estabelecidos (“Powers That Be”). Uma faixa com refrão forte, mas no geral não apresenta criatividade, repetindo estruturas já amplamente testadas pela banda.
A poderosa e guitarreira “Reapers” é a melhor faixa que Matt, Dominic e Christopher compuseram nos últimos anos. Rock’n’roll em um nível bastante alto, cheia de riffs e agressividade, com boas viradas e um solo que faz uma ótima utilização do pedal de Whammy. Aquele tipo de música que fica ótima ao vivo. A letra assume o ponto de vista de uma vítima dos drones, perseguida por um inimigo sem rosto, sem nome, armado com mísseis e capaz de transformar qualquer lugar em um campo de batalha. Longe de ser uma das grandes faixas do disco, “The Handler” contribui com a pegada mais direta. Já o estilo mais glam e o lado Queen do Muse se revelam dessa vez nas boas “Defector” e “Revolt”. São as faixas que equivalem a outras boas misturas que resultaram em “Supermassive Black Hole”, “Panic Station” e “I Belong To You”. No entanto, havia mais entrega ao glamour e ao pop descarado nas faixas anteriores. Mas se “Defector” e “Revolt” perdem em brilho, ganham em peso e uma pegada levemente mais rock, principalmente “Defector”. “Revolt” tem o único refrão dançante de Drones.
“The Aftermath”, a segunda balada do disco, apresenta uma orquestração que permeia toda a faixa e até rouba espaço do som da banda. Mas Matt Bellamy consegue incluir ali um solo bastante sensual na introdução e a escolha de notas de Wolstenholme faz a diferença. Se por um lado a orquestração é bem feita e evita o melodramático e o épico, não faz muito mais do que apenas acompanhar e dar mais corpo à harmonia da canção ao invés de propor alguma outra ideia melódica ou harmônica, como acontece com o sopros em How Big, How Blue, How Beautiful de Florence + The Machine.
“The Globalist”, com 10 minutos de duração, é a maior música já gravada pelo Muse em seus sete álbuns. O assobio western e a escala musical usada por Matt no solo de introdução a fazem parecer uma irmã mais velha de “Knights of Cydonia” dividida em quatro seções. O tema dessa canção é o fim do mundo, em uma terceira grande guerra por meio de… Drones, claro. Assim como “Exogenese”, é uma faixa que mira alto demais e não entrega algo à altura da expectativa. Pelo menos a última faixa, “Drones”, é quase uma elegia em forma de música sacra. Mais precisamente, é um canto que adapta o hino “Sanctus et Benedictus”, datado do século 16.
Desde que entraram em estúdio, a banda disse que seria uma “volta ao básico”. Bem, digamos que é uma volta ao som mais direto, pulsante, calcado realmente na capacidade de três músicos (mais um tecladista ao vivo) de fazerem os falantes do seu aparelho de som e fones de ouvido saltarem com força, mantendo sempre um ritmo empolgante. Ou seja, o som que fez a banda ser amplamente reconhecida com Absolution (2003) e Black Holes and Revelations, mas que ficou diluído em baladas, experimentação eletrônica e orquestração nos dois últimos discos. Contudo, os elementos eletrônicos continuam presentes, assim como as orquestrações, mas em menor quantidade. Vale ressaltar que o riff de “Psycho” data de improvisos ao vivo feitos pelo grupo desde 1999.
Drones não é o melhor disco dos ingleses e nem o mais criativo (soando até meio frio em alguns momentos), mas é seguramente o álbum mais pesado e que resgata a posição de banda vigorosa. Se não fosse o alarmismo com que denuncia a lavagem cerebral que pode transformar toda a humanidade em marionetes, esse disco poderia até mesmo virar um bastião do pop com conteúdo. Mas no frigir dos ovos, o senso de espetáculo ainda é maior do que a seriedade da denúncia.
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